A cidade carioca serviu como porta de entrada para os primeiros imi- grantes chineses, que chegaram ao Brasil no século XIX para intro- duzir a cultura do chá e, com o passar do tempo, passaram a se dedicar ao comércio.

Quando se pensa em imigração de chineses no Brasil, o primeiro lugar que vem à cabeça é a cidade de São Paulo, onde vive a maior colônia chinesa do País. No entanto, foi o Rio de Janeiro, capital brasileira até 1960, que serviu como porta de entrada para esses imigrantes no Brasil. Por ter abrigado a Corte Portuguesa e o início do governo re- publicano, o território carioca e seu porto foram lugares-chave para os primeiros contatos dos chineses com as terras brasileiras. Comparati- vamente, apesar de a quantidade desses imigrantes que se estabeleceu no Rio de Janeiro não ter sido tão grande como em São Paulo, suas experiências foram pioneiras, ganhando um sentido referencial para o que seria realizado em outras regiões do Brasil. Além do mais, o Rio de Janeiro foi a primeira cidade brasileira a receber imigrantes chine- ses no século XIX.

É difícil dimensionar a presença do povo chinês no Brasil devido a problemas de declaração de nacionalidade e imigração irregular. O Consulado Geral da China no Rio de Janeiro calcula que atualmente há 150 mil pessoas no Brasil entre chineses, chineses naturalizados e descendentes – sete mil no Rio de Janeiro, 140 mil no Estado de São Paulo e três mil em Curitiba. Mas outras estimativas chegam a contar uma população em torno de 250 mil, com cerca de dez mil residentes no Rio de Janeiro. Os levantamentos indicam também a capital paulista como o grande centro chinês, com cerca de 90% dessa população. Rio de Janeiro e Curitiba viriam na seqüência do ranking populacional.

No Brasil, assim como no mundo inteiro, a maior parte dos imi- grantes chineses tem origem nas três províncias marítimas no sul da China: Guangdong (i.e., Cantão), Fujian e Taiwan. Há muitos sécu- los, os cantoneses e fujianeses atravessavam os mares para exportar a porcelana, a seda e o chá para a Índia e o mundo árabe (de onde os produtos chineses chegariam à Europa). Ao longo do tempo, assenta- ram-se no Sudeste da Ásia para fugir das guerras e da falta de alimen- tos que assolavam o território chinês. Desde o final do século XVIII, os cantoneses e fujianeses já emigravam para a América do Sul (mais especificamente para Cuba e Peru), por meio do tráfico dos coolies (trabalhadores).

OS CULTIVADORES DE CHÁ DO SÉCULO XIX

Os chineses foram os primeiros imigrantes estrangeiros que chega- ram ao Brasil no século XIX para trabalhar na agricultura. De fato, o interesse pela mão-de-obra da China já podia ser observado em 1808, quando o Conde de Linhares – título que na época pertencia ao militar Domingos de Sousa Coutinho (1755-1812) – chegou a cogitar a hipótese de trazer dois milhões de chineses como uma ma- neira de contornar a proibição do tráfico negreiro, que foi imposta pelos ingleses. Uma colônia de chineses foi trazida de Macau para o Rio de Janeiro pelo Governo Real Português, entre 1812 e 1819, de maneira a introduzir a cultura do chá no Brasil. Tratava-se de um projeto econômico estratégico, organizado pelo governo de Dom João VI, estimulado pelo Ministro do Reino, Conde de Linhares – nesse período, o posto era representado por Francisco de Sousa Coutinho Teixeira de Andrade Barbosa (1790-1857), – e protegido pelo Ministro de Guerra e dos Estrangeiros, Conde da Barca – António de Araújo e Azevedo (1754-1817).

O plano foi instituído em 1810 e, dois anos depois, chegaram ao Rio cerca de 300 chineses, além de mudas e sementes de chá vindas de Macau no navio Vulcano. Eram plantadores de ervas da província de Hubei, local famoso pelo chá verde, que foram colocados para trabal- har na fazenda da família imperial, no Rio de Janeiro (que mais tarde veio a ser o Jardim Botânico Real). Em 10 de setembro de 1814, de- sembarcaram no Porto do Rio quatro chineses cultos (provavelmente mestres do processamento de chá) que foram morar na residência do Conde da Barca. O pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802- 1858), durante sua primeira viagem ao Brasil, entre 1821 e 1825, documentou a plantação chinesa de chá no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, publicando a gravura em seu livro Viagem pitoresca através do Brasil, cujo texto faz referência a uma colônia de 300 chineses na cidade.

Apesar da boa vontade de ambas as partes, o cultivo de chá pelos chineses foi, de modo geral, considerado um fracasso. Por um lado, o diretor do Jardim Botânico tratava os trabalhadores de forma severa, suspeitando de que eles, propositalmente, mantivessem segredos sobre suas técnicas mais sofisticadas de processamento do chá – o que não era verdade, pois os chineses geralmente bebem chá verde e simples- mente não conheciam os gostos euro-brasileiros, que preferiam tomar o chá preto adoçado com açúcar. Por outro lado, os próprios chineses não aceitaram de forma passiva as condições de servidão dentro da fazenda imperial. Quando dois deles fugiram do Jardim Botânico, o filho de D. João VI caçou-os com cavalos e cães. Muitos outros esca- param em seguida, estabelecendo-se em outros locais da cidade, onde passaram a trabalhar como vendedores ambulantes e cozinheiros. Por volta de 1825, vários chineses registrados com nomes brasileiros já tinham adquirido licença para mascatear. Com o passar do tempo, os plantadores de chá tornaram-se mascates, vendendo nas ruas peixes e pastéis.

Em 1881, o Brasil assinou um tratado amplo de “amizade, comércio e navegação” com a China, que proibiu a contratação de mão-de- obra (coolies), visto que os brasileiros proprietários de terras tratariam os trabalhadores como escravos e não como colonos livres. Mas apesar da proibição oficial da China, devido à falta da mão-de-obra, conse- qüente da proibição do tráfico negreiro, atividades ilegais do contra- bando de coolies receberam apoio do governo brasileiro. Em 1882, foi fundada no Rio de Janeiro a Companhia de Comércio e Imigração Chinesa (CCIC), contando com o apoio ativo do governo brasileiro e visando trazer ao País 21 mil trabalhadores. O primeiro grupo de mil chineses foi enviado pela CCIC a Minas Gerais para trabalhar na Companhia Mineradora de São João d’El-Rey, de propriedade britânica, dona da maior mina da América do Sul, a de Morro Velho. Esse grupo confirmou os piores temores do governo chinês: mais da metade deles recusou-se a pôr os pés na mina, e os que aceitaram, fugiram pouco tempo depois.

O historiador brasileiro José Roberto Teixeira Leite realizou uma pes- quisa nos quatro volumes do Registro dos estrangeiros, publicados a partir de 1960, pelo Arquivo Nacional. O autor notou que os chineses possuiam nomes cristãos e apenas quatro dentre eles tinham conser- vado seus nomes nacionais – justamente os quatro mestres de proces- samento de chá, registrados em 1814. Uma explicação para esses fatos é que os proprietários das minas e os fazendeiros impuseram nomes portugueses e cristãos aos coolies, da mesma forma que fizeram com escravos negros. Isso pode ser comprovado pelo fato de que nenhum escravo negro no Brasil conservou seu nome original africano.

OS COMERCIANTES DO SÉCULO XX

Desde 1900, a maioria dos imigrantes chineses era cantonesa. Dentre muitas histórias de sucesso que circulavam nas aldeias, a emigração ocupava um lugar central como campo de possibilidades. As histórias e fantasias, contadas e recontadas por retornados (“brasileiros” de torna- viagem), emigrados em visitas ocasionais ou por intermédio de cartas enviadas a parentes e amigos, espalharam-se entre os chineses. Por conta dessas narrativas, os jovens esfomeados e descrentes, das áreas rurais assoladas pelas crises sociais e econômicas, embarcaram com a ajuda das redes de apoio e solidariedade nos navios, atraves- saram oceanos e chegaram finalmente à capital do Brasil. Os can- toneses mais afortunados tornaram-se donos de estabelecimentos como restaurantes, lavanderias e mercearias. Seguindo essa tradição, os recém-chegados normalmente começavam a trabalhar como em- pregados em restaurantes, pensões ou pastelarias de parentes e amigos, e após juntar dinheiro ou pegar empréstimos feitos por causa das viagens, montavam seus próprios negócios.

Outra região chinesa cujos habitantes costumavam emigrar para o exterior é a cidade de Qingtian, na província de Zhejiang. Diferente- mente dos cantoneses que chegavam ao Brasil desde o século XIX, os qingtianeses começaram a emigrar para o Brasil somente depois de 1911, quando eclodiu a Revolução Republicana na China. Eles voltaram-se basicamente para o comércio e iniciaram sua trajetória mascateando pelas ruas do Rio de Janeiro. Assim surgiu um tipo de pequeno comércio, o tibao, sinônimo de sacoleiro ambulante: o vendedor carregava uma mochila ou bolsão cheio de mercadorias e transitava entre as ruas e bairros residenciais. vendendo toalhas de mesa bordadas, trazidas da China. Além de importar toalhas de mesa bordadas, eles também trabalhavam com outros tipos de mercadorias chinesas, como porcelanas, artesanatos e lenços de seda.

NOVOS IMIGRANTES

Seguindo os passos dos seus parentes e amigos já estabelecidos, os imigrantes que chegaram aqui depois da década de 1950 também iniciariam suas trajetórias como sacoleiros ambulantes (tibao). Dessa vez eles não vendiam somente toalhas de mesa, tecidos de seda, mas também jóias de ouro, pérolas e pedras preciosas. De 1970 a 1980, a maioria das lojas chinesas era apenas bazares ou mercearias. Mas a partir da década de 1990, as lojas passaram a vender a varejo e ataca- do, colocando em suas prateleiras produtos importados da China, Taiwan, Hong Kong e Japão.

DIA NACIONAL DA IMIGRAÇÃO CHINES

O Dia Nacional da Imigração Chinesa no Brasil é celebrado no dia 15 de agosto. A escolha da data faz referência à primeira entrada ofi- cial de chineses em São Paulo, que chegaram na embarcação Vapor Malange em 1900.

Os primeiros grupos de chineses foram trazidos de Macau ao Rio de Janeiro por D. João VI para iniciar o cultivo de chá no Brasil. Era sonho do então príncipe-regente repetir na colônia o comércio de chás entre a China e a Europa. As primeiras lavouras começaram no Jardim Botânico da capital fluminense, mas o experimento fracassou. A plantação de chás iniciou em São Paulo anos depois.

A chegada dos primeiros imigrantes marcou a história do Rio de Janeiro e ganhou uma homenagem: a Vista Chinesa. O mirante con- struído em estilo chinês em 1903 fica no Alto da Boa Vista, próximo à antiga estrada que ligava o Jardim Botânico a um dos pontos de repouso dos passeios da família imperial conhecido como Mesa do Imperador.