Umeko Shimada, de descendência japonesa, nasceu no Brasil em 1927, sendo a caçula entre os seis irmãos. Em 2014 (aos 87 anos), conseguiu produzir com sucesso um chá-preto artesanal após recuperar o seu chazal, criando assim o “Obaatian”. É mãe de 6 filhos, avó de 14 netos e 7 bisnetos. Seus pais migraram para o Brasil em 1914, na embarcação Wakassa-Maru. Plantavam café.
Ouvindo tradução e texto: Viviana Zhang
Ume: É só falar, né?
Link: É.
Ume: eto. (japonês)
Link: Assim, a primeira pergunta que eu tenho é, a partir de quando você começou assim, a…
Ume: Confiar. Confiar?
Link: Não, com as pessoas, assim, com o brasileiro a partir de que ano assim
Ume: Bom, assim é difícil de falar mas, eu nasci aqui no Brasil, né? Por isso eu sou brasileira. Agora, contato com brasileiro, todo dia, né. É porque a gente trabalha no mato, com os empregados, né? a gente conversa muito com eles né? É assim a minha vida.
Link: Tá, e, o que que você fazia quando era pequena?
Ume: Pequena?
Link: É.
Ume: Ah, quando pequena eu sou caçula né. Nós somos em seis irmãos. Eu sou caçula, então meu pai gostava muito de eu, né. E eu era rabo do meu pai. Qual quer coisa ia atrás do meu pai, né. Era assim, a vida da gente, no mato né. Não tem muita história pra contar porque é no mato né.
Link: E você ainda tem algum parente no Japão?
Ume: No Japão tenho, lá na China, não, desculpa, desculpa, lá no Fukushima. Onde teve aquele maremoto, só que, a casa do meu primo não atingiu porque ele mora assim, no alto né. E quarenta quilômetros do que aconteceu. E então ele mora no alto né, a casa dele é grande, eu já fui várias vezes na casa dele.
Link: E seus filhos e seus netos vão pro Japão assim, com muita frequência?
Ume: Ah, esse que tava aqui, aquele menino, aquele moço né. É meu neto. Ele, ele foi no prêmio da escola né, foi pro Japão passear. Ele já escreve muito bem, lê muito bem, porque estuda japonês né. Porquê tem cara japonês tem que saber japonês né, não é verdade? Essa cara japonês não muda, então tem que saber falar japonês não é verdade? Então é isso que eu falo, tem cara japonês tem que falar japonês né. Então é assim, é assim.
Link: Então você poderia contar um pouco sobre a história do Obatian?
Ume: Da minha vida? Olha cincos anos eu conheci o meu chá né, Porque foi assim pra conhecer o chá. Eu falo que tenho cinco anos sabe porque? É porque até cinco anos, quatro, três anos eu não faz nada, sempre faz coisa boa né. Depois de cinco anos, assim, já começou a fazer sacanagem né? E daí, eu fiz, sabe. Essa sacanagem eu vou contar. Então, contato com o chá eu tinha cinco anos, eu não lembro, essa sacanagem eu vou contar, meu pai tinha fazenda de café. E colhia café, esse café tinha que lavar. Lavar e depois secar, tem que secar no terreiro, cimentado né, e daí caía muito café fora do terreiro, né, então meu pai falou assim “você vai, com uma latinha, catar todo café que está fora do terreiro”. Então eu catei, eu catava e cada latinha ele pagava pra mim aquelas moedinhas, né. Isso que eu gostava. Então sempre gostava de catar. Um dia eu pensei assim, “poxa vida né, to com preguiça de catar de fora né”. Eu peguei do terreiro sabe, e enchi a latinha, né, sabe como que é né. Em vez de catar de fora. Olha que cabeça malvado né. Peguei do monte de café, do terreiro, enchi a latinha. E dei pro meu pai. E meu pai falou assim “Ih, já encheu a latinha?”. “Já.”. E eu ja com medo né, porque fiz coisa ruim né. “E hoje não tá contente? Eu to pagando você, de moeda como sempre e você não tá contente”, e eu mais com medo né. Porque fiz coisa ruim né. Mas daí se passou. E meu pai não descobriu, e passou. Foi assim a minha infância. Gostava de brincar, e gostava muito de brincar de formiga. Formiga, não sei se você conhece, formiga é assim, olha, formiga que eu gostava de brincar, a formiga que eu gosto é assim, eu brincava no terreiro, a formiga fazia aquele buraco, né. Fazia buraco, entrava nesse buraco, depois trazia aquele coisa na cabeça e colocava em cima assim, no terreiro né, e fazia aquela roda de barro e o buraquinho no meio né. Ai eu falava assim “poxa vida, é tão bonitinho, gosto de brincar de formiga”, até hoje eu gosto. Aí eu tinha aquele amendoim, conhece amendoim, conhece né? Então eu mordia amendoim, deixava amendoim em volta do montinho da formiga, a formiga trazia barro, e na volta levava esse amendoim, que eu deixava na beirada. Isso que eu gostava de ver. Era o meu brinquedo. Era assim, porque meus pais não eram ricos né, então não tinha muito brinquedo. a gente que tinha que inventar brinquedo. Então era meu brinquedo isso daí. Depois fazia brinquedo, assim, boneco de pano, porque minha mãe costurava né, então fazia boneco de pano, né. Era assim o meu brinquedo. Minha infância né. E meu pais era na lavoura, e não tinha dinheiro pra pagar as coisas né, então a gente vivia como podia viver, é assim, a minha história.
Link: Entendi. E qual foi o ano, assim, em que você lembra que você começou a mexer com o chá?
Ume: Mexer com o chá foi assim, então vou contar do chá, né. Então tá bom. Nós temos uma fazendinha de chá, quantos anos, eu não sei mais, tem ate hoje esse chá, né. A gente colhia broto de chá, e levava numa fábrica, sabe. Depois um dia essa fábrica falou assim pra mim “não quero mais o seu chá, porque vai fechar a fábrica”até la, esse Registro que eu moro, se chama cidade de Registro, né, tinha quarenta e três fábricas. Mas tava colhendo chá, em vez de colher brotinho, começou a colher com máquinas. Pra fazer coisa melhor, pra fazer coisa mais, bastante né. Aí começou a colher com máquinas, aí pra você ver né, colhido a mão é uma coisa, colhido a máquina é outra coisa. colhido a máquina vai mato, bicho, tudo junto. E levava na fábrica, e na fábrica, ficava selecionando, mato ruim, essas coisas. Mas sempre fica, não fica tudo limpo né. Entrava alguma coisa também, assim, essa fábrica até hoje tem, até hoje está funcionando, mas o resto das fábricas, tinha quarenta e três fábricas, fechou tudo. E plantou, não sei se vocês conhecem, banana e pupunha. Banana vocês conhecem, pupunha conhecem? Pupunha é uma espécie de palmito, conhecem palmito, né. Então, começaram a plantar banana e pupunha, e arrancou todo o chá, e acabou com o chá. E depois eu pensei assim né, a fábrica que eu levava broto de chá também não quer mais o meu chá, falou né, não que mais o broto. Aí eu falei “poxa vida, o que mais eu vou fazer agora?”né, porque com esse chá, a gente tocava meu sitinho, né, eu tenho um sítio.
Então, com esse dinheiro do chá, tava tocando o meu sítio. Mas como a fábrica não quer mais meu chá, como é que eu faço, eu não tenho mais dinheiro. Eu fiquei muito triste, mas o que que eu vou fazer né?
Isso daí foi no 2011 que aconteceu. Então no 2011 não quer mais chá, Eu fiquei muito triste, 2011 passou, agora 2012, o chá já começou a ficar no mato, né.
Aí, o que que vou fazer? Sempre ía visitar o meu chazal, de tristeza né.
Então, em 2012, o mato já tava bem feio, já tava cobrindo o chá, aí abracei o pé de chá, e chorei, o que que eu vou fazer?
Aí o 2012 passou, 2013 o mato já cobriu tudo, não tinha mais o pé de chá. 2014 né, no 2013, no fimzinho, acho que foi mais no 2014, meu filho que mora no Rio Grande do Sul, ele sempre viaja no fim do ano aqui em casa por causa da lichia. Você conhece lichia, né? Porque lichia é no fim do ano que tem né.
Então no fim, do Rio Grande do Sul, ele vem ajudar, sempre, né. Ele entoa, com muita tristeza, foi ver o chazal, esse chazal jogado né, cheio de mato.
Aí na volta, ele tava voltando, tudo triste né, aí encontrou com um japonês. Esse japonês falou assim,“de quem é esse chazal?”então meu filho falou“ué, esse chazal é da minha mãe.” “e não quer salvar?”né, esse japonês disse pro meu filho, “a minha mãe quer.” “então vamos salvar”o japonês falou, “salvar de que jeito? Ele ta no mato, não tem mais jeito nenhum.”E “no ferro velho, tem duas máquinas pra vender, vocês querem ver?”
então o meu filho falou assim para mim, eu falei “eu quero ver.”,muita tristeza, o que adianta ficar em casa a toa né, vamos ver.
Aí eu fui ver essa máquina. Quando eu fui ver, meu filho essa máquina, tudo feio, pra mim era tudo podre. Tinha duas máquinas, tudo podre, eu falei pro japonês né, esse japonês se chama tomio, “eh, Tomio, mas essa máquina não presta, tá tudo podre”, “Não, mas se a senhora quer endireitar.”o japonês, Tomio, falou “eu endireito.”, e tava custando R$1000,00, né, o ferro velho tava comprando mil reais, duas máquinas velho, podre. “Mil reais não tenho pra pagar uma máquina podre aqui, eu não tenho esse dinheiro.”, então ele desceu pro 500.
Bom, 500 ainda dá pra pensar, né, eu muito triste, né. Aí “vamos trazer um carro e vamos por.”, aí trouxe o carro né, colocou esses duas máquinas muito pesado, né. Colocou, depois trouxe na minha casa, pra descer no outro peso, né. Aí esse japonês Tomio falou assim “agora eu vou endireitar.”, ele falou para mim, “então endireita ne.”, e eu assim, sem esperança nenhuma, né, falei“endireita então, então endireitem.”.Aí ele começou a endireitar.
Um dia sim, ele vinha fazer esse serviço a hora que dava pra vir né. Ele ficou endireitando um dia sim, depois passada, vinha, E eu sempre olhando essa máquina endireitado. O que que vai acontecer, né. Aí eu ficava vendo, aí um dia, a máquina tava ficando bom, então vamos ver né , aí ficou mesmo, ficou muito bonita. Aí eu fiquei contente. Até está lá trabalhando. Aí 1 de Novembro de 2014, no dia 1 de novembro, foi a inauguração da fábrica. Porque a máquina ficou bonito né. A gente mexeu e ela funcionou, a gente colhei broto de chá um a um, assim o, um a um né. Colheu broto de chá e colocou na máquina, funcionou bem, depois esse chá a gente fez pra tomar, depois de um fez pra tomar, tava muito gostoso e toda pessoa que tomava o chá “opa, que chá gostoso. Hm, esse chá é muito bom.”Aí eu fiquei animado né. Opa que bom né, vamos fazer bastante. E nos temos que colher broto bom, e estamos colhendo broto bom, até hoje. É assim, o chá que aconteceu. E hoje esse chá, todo mundo gosta. E agora minha filha está fazendo chá e você vai tomar esse chá bom. E é assim, a vida do meu chá. Graças a Deus né, que esse chá, todo mundo, sabe o que, eu tenho um genro, ele é médico o, gordo assim o, tem diabetes, colesterol, que mais que ele tem mesmo? diabetes, colesterol, pressão alta, né. Gordo desse jeito assim, e ele toma dois litros desse chá. Tirou toda essa doença. Ficou magro, e ele falou q tem que fazer outra calça porque a calça que ele tem cai, verdade. A mulher dele é minha filha, ela tá fazendo chá pra vocês tomarem. É a dona dessa casa. Por isso meu chá não é para exibir mais, o meu chá dá muito resultado bom. E depois bem que Jesus tá, e bom que vocês apareceram aqui também, por causa do chá né, não é verdade, né oosan (japonês)? Por causa do chá que vocês, essa gente boa, olha que bonito, essa gente boa, pra mim essa gente, tudo Deus que manda, eu acho, não é verdade? é gente boa né, então Deus que está mandando pra mim, por causa do chá. Então eu agradeço muito esse chá, muito obrigado. Agradeço a sempre, esse chá. Né, porque veio moço bonito, moça bonita. Porque? Por causa do chá, não é verdade, né? Por isso que você tá aí.
Link: Então, na sua história você tinha mencionado duas máquinas, e essas máquinas eram pra que?
Ume: Essa máquina é um ferro velho, deixar mesmo, e antigamente usavam (uma máquina pra enrolar, e a outra pra fazer secagem).
Link: Então eram máquinas próprias pro chá. É pro chá.
Link: E quem utilizava essas máquinas?
Ume: Essas máquinas, capital de chá, tinha 43 fábricas, e essas fábricas ficavam jogando no ferro velho. Agora né, agora no outubro né, nós vamos pro casa de chá, nos fomos convidados pro Japão, aí eu vou pesquisar essa máquina, e vou querer pesquisar se eles podem vender, assim, em conta pra mim, né. Eu vou dar uma choradinha tá, Não, tem que falar né. Tem que conversar pra dar um resultado né. Vou dar uma choradinha pra ver se ajuda um pouquinho. Eu queria comprar essa máquina, não é verdade? Tudo a gente tem que pensar coisa boa né. Não é que tem que pensar coisa boa?
Link: E é sim, e você também falou que o, que você fazia o chá porém na mão.
Ume: Tudo a mão, até hoje.
Link: As fábricas colhiam o chá com a máquina.
Ume: Sim, faz com a máquina.
Link: Tem alguma diferença entre esses tipos de chá, colhido a mão e colhido a máquina?
Ume: Claro, essa máquina é antigo né. É antigo, chama-se Jyunenki (japonês), em japonês né. A máquina de colher? A máquina é muito feio, vai tudo, o mato, bichinho, né. Lá na fábrica seleciona, mas não é bem selecionado como colhido a mão. Sempre vai, né. Esse pode contar que sempre, aí depois o chá da fábrica é triturado, fica pó. O nosso não é pó, é o broto. A gente faz o chá, depois que tá pronto o chá, a gente vê o broto do pilis, é o broto de chá, nosso chá colhido a mão. Depois vou mostrar pra vocês
Link: Tá bom, obrigado. E na sua opinião, tem alguma diferença entre o chá brasileiro, o chá japonês e o chá chinês?
Ume: Bom, esse aí é cada um da sua fábrica, né, a gente tem o nosso gosto. A China tem o gosto da China. E cada um tem o seu gosto, né. Eu não digo que só o nosso é gostoso, de todo mundo é gostoso, verdade, né? Cada lugar é o seu gosto. O nosso gosto de Registro, né. E é assim. E depois sabe o que que aconteceu? Porque a gente tava usando adubo químico né, mas agora não usa mais químico, só orgânico. Não pode mais usar, é proibido, que eu não quero mais adubo químico, só orgânico, né. Então, e nesse primeiro convite que a gente recebeu do Japão, né, que a gente foi, né. Aí u tinha que conversar com o pessoal, assim, na plateia. Aí sabe que a gente fez uma banca, né. Demonstração de chá, né, aí veio um senhor, com um moço, né. Aí a gente conversou, conversou filho com pai, pai e filho né. Aí ele conversou, conversou, e no fim eu falei “venha passer no Brasil”e que veio mesmo, veio no Brasil. A gente convidou né, venha passear no Brasil , aí que veio mesmo. Aí que foi negocio bom, ele ensinou muita coisa boa, bastante coisa boa ele ensinou. Ele se chama-se, Goto e Katapi, Katapi vai pra China, ele mora na China. Tem duas casa na China. Katapi, Takapi, apelido dele. Muito engraçado. Mas foi muito bom que esses dois vieram pra cá, ficaram vinte dia. Aí que conheci que o chá é muito bom, aí que deu muito valor no chá. Até daria, se dar valor não quanto ele falou, né. É, ele gostou. (a gente sabia que era gostoso mas não sabia o quanto) É então. Mas agora toda pessoa gosta, né, do nosso chá. Agora vocês vão tomar também.
Link: Então, assim, as minhas perguntas eram essas.