Em 2004, em busca dos descendentes dos exploradores de ouro da América do Sul do século XVI, fotógrafo chinês Yanjun Zhang foi ao Pantanal, conhecendo pela primeira vez os pantaneiros. Com intuito de produção de um documentário, ele acompanhou durante 28 dias um boiadeiro no seu trajeto da transumância de um rebanho de cerca de 800 cabeças da Fazenda Estância Caiman até um abatedouro. Utilizando diários de campo, impressões subjetivas, gravadores, GPS, filmadoras analógica-digitais, máquinas fotográficas e mapa disponibilizados pela EMBRAPA, Yanjun Zhang foi documentando os pantaneiros, na tentativa de desvendar o estilo de vida dessas pessoas que dependiam do ritmo natural para viver. Como consequêncai da perda dessas imagens em São Paulo após múltiplos assaltos, Yanjun Zhang retorna ao Pantanal em 2008, realizando uma entrevista na Fazenda Caximba. Assim, ele se vê aproximar do ritmo, estações e cultura pantaneira mais uma vez.

Yanjun Zhang foi o primeiro fotógrafo na China a se interessar pela integração dos imigrantes no Brasil e da população dos nativos amazônicos. No Brasil, a imagem do “descobridor” e “conquista” já tornavam temáticas artísticas recorrentes. Na sua obra documental de 400 minutos “A Travessia”, Yanjun leva o espectador a um Brasil cultural cheio de pluralidades através da método da imagem perceptiva (感性影像). Em 2000, ele e sua esposa chegam ao Brasil, que na época já contava com cerca de 250 mil chineses continentais, vindos através de vias clandestinas e sem identidade, passando a trabalhar aqui com negócios de contrabando e vendas de pequeno porte. A ideia que o Brasil tinha acerca da China ainda se resumia na Rota da Seda como descrita por Marco Polo. Assim que pousaram em São Paulo, o casal imediatamente comprou os direitos de apresentação de uma conhecida escola de samba para aquele ano, planejando assim o “Carnaval com tematização chinesa”. Eles deram início a uma série de eventos que estabeleceram a “frente cultural oriental”. Primeiramente, fundaram em São Paulo a Revista Recurso, estabelecendo em conjunto à Administração Geral da Imprensa e Publicações da República Popular da China um canal binacional de negociações para direitos autorais literários e, laboriosamente, administravam a fortaleza transcultural. Mesmo quando os feitos de Yanjun Zhang acabaram ganhando a confiança dos brasileiros, não colocou a mente para estudar a comercialização de bens culturais, nem como aumentar a sua capacidade de sobrevivência baseada nas experiências obtidas. Assim, mesmo depois de dez anos – em 2010 -, Yanjun Zhang e sua esposa – já com dois filhos – ainda não conseguiram se firmar, retornando, assim, à China.

Para iniciar uma discussão aprofundada sobre os boiadeiros, em “A Travessia”, Yanjun Zhang utiliza duas pistas paralelas. Pelo viés do Estado, Yanjun Zhang demonstra os sacrifícios que o Marechal Rondon, presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt e empresários ambiciosos sofreram em busca dos seus sonhos, traçando linhas com a política e relações internacionais brasileiras. Já pelo viés da emoção e ética, a íntima dependência dos boiadeiros com a natureza para a sobrevivência mais uma vez se transparece.

Em “A Travessia”, Yanjun Zhang conta um incidente migratório inusitado, descrevendo a revelação da destruição do modo de vida da população pantaneira. Através do coração das mulheres do trajeto da transumância, Yanjun Zhang descobriu o seu profundo respeito pelas formas de sobrevivência e diversidade, dando um olhar sobre a realidade que inevitavelmente integrou a ambição e persistência dos exploradores de ouro, erodido no tempo e espaço.

O processo de criação fotográfica de Yanjun Zhang está intimamente relacionada à sua experiência pessoal. Nascido em 1963, Hebei, China, Yanjun trabalha como fotojornalista militar desde 1985. Através da sua vivência e permanência no Brasil, das culturas presenciadas do choque entre elas fez com que Yanjun tenha desenvolvido um reconhecimento mais aprofundado para sua pesquisa acerca da função social da fotografia. Essa experiência incomum trouxe não somente massiva quantidade de material para criação fotográfica, mas também apontou-lhe a direção para a sua criação. Durante o processo, Yanjun Zhang interessou-se profundamente pela ideia do destino de uma pessoa, utilizando da imagem como a maneira de expressar conflitos entre diferentes culturas. Ele relata que, após longos períodos de vivência no exterior, desenvolveu a sensação de que “através do registro fotográfico, é capaz de viver a verdade”. Desde a publicação de “Veterans of the Long March” (长征⼈) em 1995, Yanjun Zhang entrou para a lista de fotógrafos mais renomados da China. Ele considera sua pesquisa sobre a função social da fotografia como meras “atividades invisíveis”, tendo a grande ambição e projeto de vida ainda sendo tornar um renomado fotógrafo de retratos.

Na realidade, a temática do documentário “A Travessia” é a exploração e reflexão de uma cultura quando imersa em uma outra.